Mill by Goodwin
Neste post, dedicado para os alunos de níveis intermediário – avançado, gostaria de escrever sobre a importância desse que é um dos temas mais complexos do estudo de português: a análise sintática (usarei, como material bônus, a análise da música “O mundo é um moinho” por conter elementos para nossos estudos que eu gostaria de chamar a atenção). Depois das várias e várias aulas sobre análise morfológica (aquelas aulas difíceis, por vezes intermináveis, em que identificamos e classificamos cada palavra (verbo, adjetivo, advérbio etc), creio que seja hora de começarmos a pensar na análise sintática.
Por que a análise sintática é importante nos estudos? Embora muitos adorem este tema em questão e têm curiosidade em saber como a língua portuguesa funciona na sua raiz, talvez se você perguntar para algum brasileiro, este poderá lhe responder: “Ah, não, não precisa estudar isso. Isso é muito difícil, nem eu sei”. Isso acontece porque, como fluente, ele já trabalha com as palavras e orações de forma natural, sem se importar muito com o que cada elemento representa dentro do texto.
Porém, se você entender claramente como os elementos se interagem dentro do texto, tirará muitas dúvidas (até vindas do nível básico) de como a língua portuguesa funciona e poderá construir frases mais complexas com segurança.
Veja, não se trata de sair decorando todos as palavras difíceis que aqui aparecerão: é mais questão de compreensão. Lembre-se: qualquer coisa que você decore por simplesmente decorar, amanhã você poderá esquecer. Agora, se você aprender e assimilar as informações, dificilmente você as esquecerá: a parte de “decorar” virá naturalmente com o tempo de estudo.
Sim, o assunto é bem complexo e demanda tempo, estudo e esforço. Portanto, não se apavore nem se desestimule caso não entenda muita coisa. É como exercitar os músculos: de início podemos sentir uma dor (às vezes, muita dor), mas com o decorrer do tempo, desde que continuemos os exercícios, a dor passa, os exercícios passam a ficar mais fáceis de fazer e ficamos mais fortes. E, então, podemos elevar o nível de dificuldade dos exercícios.
Estude, interesse-se, questione. E o mais importante, antes de iniciarmos nosso estudo de hoje: acredite em você.
Então, vamos iniciar os apontamentos sobre a análise sintática? Não pretendo escrever sobre toda a parte de análise sintática em apenas um post. Ao meu ver, seria cansativo e pouco produtivo. Portanto, tentarei dividir nossos estudos em partes.
O QUE É A ANÁLISE SINTÁTICA?
Análise sintática é o estudo da sintaxe que, segundo o dicionário Michaelis de língua portuguesa, é: “parte da gramática que ensina a dispor as palavras para formar as orações, as orações para formar os períodos (…)”. Trata-se de se ordenar as palavras de uma forma que seja compatível com a língua portuguesa. Por exemplo, vejamos a seguinte tentativa de formação de uma oração:
Estudar acorda o muito aluno cedo para.
Não conseguimos entender o significado da mensagem, pois as palavras estão dispostas aleatoriamente. Para que possamos entendê-la, precisamos dispor as palavras em uma ordem que seja compreensível para a língua portuguesa. Portanto, uma possibilidade seria:
O aluno acorda muito cedo para estudar.
Mas, afinal, o que é (1) frases, (2) orações e (3) período (ou enunciado)?
(1) FRASES
São enunciados destituídos de núcleo verbal cuja estrutura não apresenta relação predicativa. Em geral são constituídos por substantivos, adjetivos ou advérbios:
Bem-vindo!
Que frio!
Que lindo!
Saúde!
Parabéns!
Oh pátria amada!
Socorro!
As frases dos exemplos acima são do tipo unimembres e são constituídas, geralmente, por interjeições. Podem ser também respostas ou comentários sem núcleo verbal em diálogos:
– Qual é a sua profissão?
– Engenheiro.
– Já fez a lição de casa?
– Ainda não.
– Sabe aquela piada?
– Que piada?
As etiquetas, placas de sinalização e rótulos também são frases: Entrada; Saída; Fila Única; Sanitários, etc.
Há, também, as frases assertivas bimembres usadas em máximas e provérbios:
Cão do grande, grande; cão do príncipe, príncipe.
Casa de ferreiro, espeto de pau.
A opressão do gato à justiça do rato.
Tal pai, tal filho.
Cada macaco no seu galho.
(2) ORAÇÕES
São os tipos de enunciados que “falam” por si só, ou seja, não depende de outros suportes extralinguísticos em que estejam inseridos. São elas os objetos de estudo da análise sintática. São caracterizadas pela presença do verbo (ou sintagma verbal) e uma relação predicativa (o sujeito e o predicado – retomaremos esses dois assuntos futuramente):
Sujeito (Tópico) Predicado (Comentário)
Mario está trabalhando.
O verbo é o núcleo da oração e indispensável. Observe:
Eu faço a lição de casa de português aos domingos pela manhã.
Eu faço a lição de casa de português aos domingos.
Eu faço a lição de casa de português.
Eu faço a lição de casa.
Eu faço a lição.
Eu faço.
Faço.
No exemplo acima, o único elemento indispensável foi o verbo (sem ele a mensagem não é transmitida com clareza). Por isso, o verbo é chamado de núcleo em que todos os demais elementos vão girar em torno.
(3) PERÍODO (OU ENUNCIADO)
São as frases e as orações. Na escrita, marcado pelo emprego da letra maiúscula no início e os sinais de pontuação ao final. Pode ser curto como um mero “Sim” ou “Já” até longo: “Na aula de hoje nós revisamos todas as lições para a prova final e fizemos as correções das lições de casa atrasadas”.
TERMOS DA ORAÇÃO
Entendidas todas essas definições básicas, é através dos termos da oração que iremos partir para a análise sintática propriamente dita em que dividiremos e classificaremos todos os elementos constituintes de acordo com a tabela abaixo:
I.Essenciais
II.Integrantes
III.Acessórios
IV.Vocativo
Sujeito
Complemento verbal (O.D./O.I.)
Adjunto Adnominal
Predicado
Complemento nominal
Adjunto adverbial
Verbo
Agente da Passiva
Aposto
Nota: O.D. = Objeto Direto. O.I. = Objeto Indireto
Pode parecer bem complexo e, de fato, o é. Porém, indo-se pouco a pouco, você notará o quão interessante e rica é a língua portuguesa.
Irei escrever brevemente sobre o item número IV (Vocativo) que não é tão complicado e deixar os demais para futuros posts.
VOCATIVO
É a expressão que usamos para chamar ou destacar a pessoa a que nos dirigimos, normalmente separado por vírgula:
Vem almoçar, Pedro!
Você, meu caro, precisa estudar mais.
E para respostas breves:
Sim, senhor.
Não, minha senhora.
LIVRO DE CABECEIRA
Há vários livros de gramática que são excelentes para tirar suas dúvidas, mas meu preferido e que é meu livro principal para consultas é:
Moderna Gramática Portuguesa de Evanildo Bechara. Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
BÔNUS
O título do post é “O mundo é um moinho” em referência à bela música da autoria de Cartola. Embora Cartola tenha toda uma história sobre a origem desta música, pode-se interpretar como uma lição de como a vida realmente é. De fato, o mundo (a vida) não é nada fácil (realmente um moinho que pode triturar muitos de nossos sonhos) e nossas decisões precisam levar isso em conta. Mas não devemos nunca desistir, e nem desistir da análise sintática (!). Interpretações pessoais à parte, vamos para a identificação do uso do VOCATIVO na letra da música. Voltaremos a ela em futuros posts para identificar outros termos das orações.
Observação: atente para a conjugação do verbo na segunda pessoa do singular (tu) e seu uso. E, como revisão, observe os verbos no imperativo. E mais, ainda como revisão, veja o tempo verbal usado com a palavra “embora”: presente do subjuntivo.
O mundo é um moinho (Cartola)
Ainda é cedo, amor
Mal começaste a conhecer a vida
Já anuncias a hora de partida
Sem saber mesmo o rumo que irás tomar
Preste atenção, querida
Embora eu saiba que estás resolvida
Em cada esquina cai um pouco a tua vida
Em pouco tempo não serás mais o que és
Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó
Preste atenção, querida
De cada amor tu herdarás só o cinismo
Quando notares estás à beira do abismo
Abismo que cavaste com os teus pés
Abaixo, coloco dois vídeos para apreciação: o original de Cartola e a versão de Ney Matogrosso.
Até breve! µ